terça-feira, 28 de julho de 2009

ávida espingarda

Pois é, essa é capa da Antologia Ávida Espingarda, que reúne 8 poetas, cada um com 10 poemas, todos estudantes de Letras da USP. Muito em breve é o lançamento. Aviso.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

redoma ou pato amarelo de borracha

- Eu não consigo ouvir nada. – disse Ricardo, bem baixinho, articulando cada uma das sílabas. Isso causava uma pressão divertida aos ouvidos, e ele sentia todos os ossos do seu crânio.

Mesmo assim, não conseguiu escutar o que falava. Sua cabeça estava mergulhada na espuma da banheira, e a torneira aberta ao máximo era cachoeira em tromba d’água.

- Eu não consigo ouvir nada. – dessa vez falou bem alto. Sua voz, distante, pareceu a de um adulto bêbado. Achou graça. Bolhinhas de sabão se formaram ao redor dos lábios e, ao estourar, fizeram cócegas.

Boiava no espaço limitado, deixando apenas o nariz, a boca, e os olhos (fechados) do lado de fora. Era um retiro necessário, fundamental aos seus ouvidos.

Fechou a torneira para a banheira esfriar aos poucos. Sem o som da água contra a água, descobria outros, que ecoavam de todo o apartamento, e até de outros andares do prédio. A pia gotejante. Sua mãe, provavelmente, atrapalhada com os armários da cozinha. O motor do elevador. Gemidos do sétimo... Mas a cada grau que a temperatura diminuía, ficava difícil não pensar também nas coisas ruins, pra lá da porta do banheiro.

Quando já estava um gelo só, voltou a ligar a torneira. O aquecimento amolecia os músculos, relaxando. Pensava no conforto da sua cama. Um soninho... Então, quando ficou quente o suficiente, desligou a torneira e começou tudo de novo.

Cansado da brincadeira, sentou. Com as pontas dos dedos, desenhou coisas na espuma. Um cachorro, uma pipa, mulheres caminhando. Tirou a tampa do ralo, prestando atenção no som cada vez mais forte da água escorrendo – parecia um chupão, como quando queremos mais milk shake quando já não tem. Esvaziou a banheira pela metade. Virou com o bumbum pra cima. Esfregou-se ao fundo escorregadio de cerâmica, cada vez mais rápido, sem entender, com a cabeça afundada no silêncio líquido.

A mãe bateu na porta. A canja estava pronta.

– Só mais um pouquinho.

Levantou com as mãos tremendo, enfiou o roupão branco de capuz. Passou a mão no espelho suado e se olhou. Girou o trinco da porta. A maçaneta o refletia metálico.

À mesa, a mãe beijou-lhe a ponta dos dedos, apertou-os para aquecer, e serviu uma concha da sopa. O bafo subiu do prato ao rosto, fazendo-o suar.

- Faz mal ficar tanto tempo assim no banho. A ponta de seus dedos e o seu peru estão que nem uvas passas.

Deu uma colherada.

- Mãe, amanhã vou mesmo ter que voltar pra escola?

- Lógico. Um dia você ia ter que.

Ele colocou as duas mãos sobre os ouvidos e cantarolou:

- Não tô te ouvindo, não tô te ouvindo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

âncora

- Eu tenho muita coisa pra te contar.

Assim ele começou a conversa pelo celular.

- Então me conta.

Mordeu o lábio e esperou uma resposta. Elevou a voz:

- Não tô te ouvindo. Eu tô indo almoçar, e o telefone não pega bem no elevador.

Ela não escutou nada e, por alguma razão de que nem ela lembra, não pôde retornar a ligação.

Fazia dias que não conversavam. E o ímpeto de dizer espetava a garganta, de falar tanta coisa, sei lá o quê. A quantidade de idéias e palavras complicava a escolha de como começar, e a correria – corriam como cavalos para se encontrar apenas sobre um colchão de feno – dificultava um pouco mais. A vontade passava, e dava um sono nele. Relinchavam, exaustos.

- Você disse que tinha coisas para me contar.

Ele fingiu que roncava.

Com o tempo, ela reparava, aqui e ali, um jeito no olhar dele. Toda vez que ela via esse olhar, ela se surpreendia, como se fosse pela primeira vez. Dizia-se que era uma besteira, coisa de homem, homem é calado mesmo. Ou era medo de saber?

Aos fins de semana, quando ele fumava - mesmo quando estavam no meio de uma conversa corriqueira sobre trabalho ou falando mal de algum conhecido - parecia que o fogo trazia a ele uma aura sagrada. Entre uma palavra e outra ditas de maneira frívola, um lampejo daquele olhar aparecia, e era como se seu marido se tornasse cerebral e melancólico para, então, retornar a conversa, ainda mais empolgado. E ela procurou se sentir abençoada por ter um marido misterioso como o seu. Não duvidava que suas colegas de escritório fossem felizes. Mas não como ela. Elas também amavam, mas cabia tédio em seus amores. Ela era única - seu marido tinha alma de quem desbrava continentes, apesar de seu corpo escrever relatórios. Uma papada começava a crescer no pescoço dele.

- Eu tenho muita coisa pra te contar.

Ele tinha perdido a conta de quantas vezes tinha dito essa frase em 12 anos.

- Vá primeiro dar o seu mergulho, meu amor. Enquanto isso, me bronzeio. Conversamos depois.

Ele concordou, com a cabeça balançando lenta. Ele estava pesado, e caminhou com a elegância de um paquiderme até dentro d’água. Ela observou o seu andar, seu corpo. Estavam ficando velhos e, mesmo assim, ela sorriu satisfeita. Ele era um homem, calado e bronco, como os de antigamente.

Ele, assim que entrou no mar o suficiente para não dar pé, afundou.

Ela chorou muito, mas sequer se perguntou o que tanto ele queria lhe dizer.

terça-feira, 21 de julho de 2009

$9.99 Altamente recomendável


Acabo de voltar do Rio, e lá vi algumas sessões de curtas do Anima Mundi, e tbm o longa australiano $9,99. Vc que está por São Paulo, programa-se e veja, vale a pena. O filme é lindo, poesia pura sobre o significado da vida e sobre a crise da masculinidade - 99,9% dos personagens são homens, e todos abandonados por suas mulheres.

O Anima começa amanhã em SP.

você já se viu no rosto de outra pessoa?
um gesto que seja, semelhante ao seu?
um espelho indecifrável que se faz no outro
e, por mais que reconheça a semelhança,
não se enxerga

resquícios decisivos
de vidas passadas futuras pra sempre

superpoderes

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atirar bolas de fogo
invisibilidade
achar camisinha no escuro

-

quarta-feira, 15 de julho de 2009

possível (como tudo)

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o mundo é alucinógeno
tem rios de peixes elétricos

eu quero o improvável
peixes voadores em meu aquário

-

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Abraço de Mãe


Participei de um concurso literário da revista piauí. O lance era fazer um conto baseado nessa ilustração. Pois bem, aí segue o meu, se quiser ler o do vencedor, clique aqui.

Encontrei-a estendida. Eu tinha oito anos. Íamos assistir Vestido de Noiva, depois da insistência de papai. Abri a porta. Lá estava ela, se abraçando, como se buscasse em si um carinho que o marido não soube dar, que a vida reteu.

Havia cinco cigarros no cinzeiro de acrílico– ainda era elegante uma mulher fumar. Usava vestido branco de organza. A pele parecia recoberta da mesma qualidade especial do cinzeiro- ao mesmo tempo fosca e brilhante- que só um material plástico pode ter. Uma aura suburbana. Justo ela, que evitava Nelson Rodrigues. Mamãe estava toda kitsch.

O cabelo brilhava. Escovado dezessete vezes. Se meu pai dizia que era superstição, revirava os olhinhos, alegando ser o costume de alguma princesa, sabe-se lá de que reino. Diziam que eu tinha os cabelos dela. Agora, estou calvo. Não. Careca.

Me mijei inteiro. Papai me pegou segurando as calças- apertava a cabeça do pinto pra não vazar nem mais uma gota. Gritou que eu não servia pra nada, um absurdo a mãe morrendo e um menino da minha idade daquele jeito. Só parou ao perceber que não havia nada mais a ser feito. Saiu água de seus canais lacrimais. Pois papai nunca chorou: mijou pelos olhos.

Vi essa cena milhares de vezes nos sonhos. Acordo molhado. Tentei terapia freudiana, lacaniana, junguiana, filósofos, curandeiros, mãe e pai de santo, auto-ajuda, cromoterapia, ayurvédica, yoga, santo daime, maconha, cocaína, talk shows, feng shui, e nada.

Até que tive outro sonho. Adulto, descobria mamãe morta, e mijava em cima dela. Levava, então, vida normal: deixava de ser virgem. Mas acordo, e é tudo ruim de novo. Ah, se eu pudesse realizar esse sonho, tudo ficaria bem.

Assim pediu. Bom, senti como pedido. Não, não fiz a exumação da minha sogra. Ele sempre falou de como parecíamos. Depois de ver fotos dela, notei a cruel semelhança.

Amo esse homem. Por que não ajudá-lo? Ele é doce, fiel, ganha bom salário- já é muito mais do que a maioria das mulheres poderia querer. Mas tenho tesão, quero trepar. Minhas amigas fariam muito mais por qualquer-homem-muito-menos – com tantos veados no mercado, a disputa realmente não é fácil.

Mas ele é hetero. Ele não transa comigo pois, toda vez que vê uma boceta, lembra da mãe, e broxa. Sim, já fui a freudianos, lacanianos, junguianos, praia de nudismo, alcoólicos anônimos, abraço em árvores, terapia de cristais, tai chi chuan, bronzeamento artificial, dieta da proteína, aula de aquarela, búzios, meditei em Búzios, virei wiccan, e essas filosofias certificaram: ele é heterossexual, do contrário, o problema seria com o pai, e sendo o trauma com a mãe tão grave, deve ser macho dos muito machos. Então meu bem, não é uma mijadinha que vai me inibir.

Deito aqui. Me abraço. Que nojo esse vestido de brechó, cheiro de cigarro. Ok, concentra. Nada pode me deter. A porta abre, vejo seus sapatos. Fecho os olhos. Deixo uma brechinha. Enxergo-o colocando o pinto pra fora– difícil distinguir meus cílios dos pentelhos dele. Ele faz força, esboça dor. Não sai gota. Geme. Abro os olhos. Levanto pra acudir. O plano vai por água abaixo (ironia do destino?). Droga, é cálculo renal. Levo-o ao hospital. Depois dessa então, é que não deixo escapar: ele é macho, muito macho.

pandeiro de couro de gato

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um pandeiro de couro de gato persa albino
algo além do guarda-chuva
novos e melhores celulares a cada dia
e nenhum guarda-chuva mais preciso

um pandeiro de couro de gato persa com vitiligo
um melhor preparo físico
teletransporte
algo menos rústico que a estrada da serra ubatuba-taubaté

um pandeiro de couro de gato persa prateado
uma eternidade finita
em que possa viver pra sempre
e ainda ter a noção de morte
não abrir mão de nada
sem abrir mão de tudo

um pandeiro de couro de gato sphynx
que tenha som de cuíca-
de-cauda-grossa,
cuíca-d'água-pequena

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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Cenicero, mi cenicero Mi corazón, mi cenicero


Pois é, me empolguei. O novo álbum do Placebo é chatinho e quase sem emoção, com excessão de "Ashtray Heart", "Battle for the Sun", "Bright Lights" e "Kitty Litter", mesmo assim, estas ainda estão longe de qualquer outra canção de qualquer outro cd. Fora isso, parece que Brian Molko simplesmente está escrevendo imitações pioradas de suas músicas antigas, além de usar rimas já usadas em outras letras - como "way" com "decay"ou "tries" com "times" e "minds" e "eyes". Enfim, ainda adoro a banda, e espero que haja coisa melhor pela frente.

Os únicos versos bonitinhos que encontrei estão em "Ashtray Heart", são eles:

I tore the muscle from your chest
And used it to stub out cigarettes
I listened to your screams of pleasure
And I watch the bedsheets turn blood red

terça-feira, 7 de julho de 2009

pérolas


Hoje, quem quiser ver o Pérolassssssssss na telinha da tv, ligue à 00:00 no Canal Brasil.


beigos

segunda-feira, 6 de julho de 2009

obrigatórios e imperdíveis

Horas de verão: Discussão elaboradíssima sobre a batalha velho x novo, tradição x globalização, banalização da conservação, ilusão de eternidade através do que se guarda, valor histórico x valor de uso dos objetos: roteiro impecável, fotografia impecável.







batalha pelo sol

Felicíssimo estou com o novo álbum do Placebo, minha banda preferida. Ainda não ouvi tudo, estou indo aos poucos. Mas já posso dizer que amei a música título Battle for the Sun, como sempre com aquela força incrível das músicas deles, e da For What is Worth, que já tem clipe. Aliás, o Placebo é uma das poucas certezas na vida de alguém que... gosta de Placebo. A banda é daquelas poucas que não precisava ficar se reinventando para conseguir atenção, e sempre mantém o estilo e a qualidade sem ser repetitiva ou apelativa. Vale a pena também dizer que, o Brian Molko, que nunca fez muito meu estilo, está muito lindo nessa nova fase, de cabelo comprido.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Vampiro

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esmalte pérola
cravado ao páramo
de tenro púbis

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