segunda-feira, 13 de julho de 2009

Abraço de Mãe


Participei de um concurso literário da revista piauí. O lance era fazer um conto baseado nessa ilustração. Pois bem, aí segue o meu, se quiser ler o do vencedor, clique aqui.

Encontrei-a estendida. Eu tinha oito anos. Íamos assistir Vestido de Noiva, depois da insistência de papai. Abri a porta. Lá estava ela, se abraçando, como se buscasse em si um carinho que o marido não soube dar, que a vida reteu.

Havia cinco cigarros no cinzeiro de acrílico– ainda era elegante uma mulher fumar. Usava vestido branco de organza. A pele parecia recoberta da mesma qualidade especial do cinzeiro- ao mesmo tempo fosca e brilhante- que só um material plástico pode ter. Uma aura suburbana. Justo ela, que evitava Nelson Rodrigues. Mamãe estava toda kitsch.

O cabelo brilhava. Escovado dezessete vezes. Se meu pai dizia que era superstição, revirava os olhinhos, alegando ser o costume de alguma princesa, sabe-se lá de que reino. Diziam que eu tinha os cabelos dela. Agora, estou calvo. Não. Careca.

Me mijei inteiro. Papai me pegou segurando as calças- apertava a cabeça do pinto pra não vazar nem mais uma gota. Gritou que eu não servia pra nada, um absurdo a mãe morrendo e um menino da minha idade daquele jeito. Só parou ao perceber que não havia nada mais a ser feito. Saiu água de seus canais lacrimais. Pois papai nunca chorou: mijou pelos olhos.

Vi essa cena milhares de vezes nos sonhos. Acordo molhado. Tentei terapia freudiana, lacaniana, junguiana, filósofos, curandeiros, mãe e pai de santo, auto-ajuda, cromoterapia, ayurvédica, yoga, santo daime, maconha, cocaína, talk shows, feng shui, e nada.

Até que tive outro sonho. Adulto, descobria mamãe morta, e mijava em cima dela. Levava, então, vida normal: deixava de ser virgem. Mas acordo, e é tudo ruim de novo. Ah, se eu pudesse realizar esse sonho, tudo ficaria bem.

Assim pediu. Bom, senti como pedido. Não, não fiz a exumação da minha sogra. Ele sempre falou de como parecíamos. Depois de ver fotos dela, notei a cruel semelhança.

Amo esse homem. Por que não ajudá-lo? Ele é doce, fiel, ganha bom salário- já é muito mais do que a maioria das mulheres poderia querer. Mas tenho tesão, quero trepar. Minhas amigas fariam muito mais por qualquer-homem-muito-menos – com tantos veados no mercado, a disputa realmente não é fácil.

Mas ele é hetero. Ele não transa comigo pois, toda vez que vê uma boceta, lembra da mãe, e broxa. Sim, já fui a freudianos, lacanianos, junguianos, praia de nudismo, alcoólicos anônimos, abraço em árvores, terapia de cristais, tai chi chuan, bronzeamento artificial, dieta da proteína, aula de aquarela, búzios, meditei em Búzios, virei wiccan, e essas filosofias certificaram: ele é heterossexual, do contrário, o problema seria com o pai, e sendo o trauma com a mãe tão grave, deve ser macho dos muito machos. Então meu bem, não é uma mijadinha que vai me inibir.

Deito aqui. Me abraço. Que nojo esse vestido de brechó, cheiro de cigarro. Ok, concentra. Nada pode me deter. A porta abre, vejo seus sapatos. Fecho os olhos. Deixo uma brechinha. Enxergo-o colocando o pinto pra fora– difícil distinguir meus cílios dos pentelhos dele. Ele faz força, esboça dor. Não sai gota. Geme. Abro os olhos. Levanto pra acudir. O plano vai por água abaixo (ironia do destino?). Droga, é cálculo renal. Levo-o ao hospital. Depois dessa então, é que não deixo escapar: ele é macho, muito macho.

3 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o conto. Lamentei a premiação.

Bjo

Ana Cristina Joaquim disse...

poxa, Gu, gostei tão mais do seu...

Unknown disse...

Muito bom!